Lagoa da Conceição - Florianópolis

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O segredo oral

Ao lembrar a história escrita pelo autor Joseph Mitchell no livro O segredo de Joe Gould, é possível perceber que Mitchell, o então repórter da revista The New Yorker nos anos 40, realiza mais do que uma reportagem jornalística com seu entrevistado, Joe Gould. Não só pela forma como o autor descreve os fatos, mas pelo vínculo que foi estabelecido entre repórter e entrevistado. É como se Mitchell fizesse parte da vida daquele “homenzinho alegre e macilento”, como relata. Foi o único que sabia seu segredo; e o guardou por anos revelando-o somente sete anos após sua morte, da forma oral para a escrita, na segunda parte desta obra.
O livro contém duas partes, o primeiro texto “O Professor Gaivota” escrito em 1942 – apelido de Gould que dizia falar a língua das gaivotas - e o segundo texto intitulado como “O segredo de Joe Gould”. Por sua imponência, o livro até virou um filme, dirigido por Stanley Tucci, que levou o título, em português, de Crônicas de uma certa Nova York.

Joe Gould era a legítima figura de um boêmio que vivia nas ruas, e conhecido por realizar a “História Oral”, fragmentos de conversas de pessoas nas ruas de Nova Iorque, que ele dizia anotar, e que era oito vezes maior do que a Bíblia.

Estes dois motivos fizeram Mitchell aproximar-se de Joe: a curiosidade da vida em torno daquele homem de avô e pai médicos que escolheu levar uma vida anônima nas ruas, acolhendo piolhos e roupas esfarrapadas e a tão comentada "História Oral". Mitchell foi o primeiro jornalista a escrever reportagens como esta, que naquela época eram inexistentes a sociedade.

E quem nunca viu uma figura como esta, nas ruas de uma cidade? São esquecidos e despercebidos pela maioria dos cidadãos que têm pressa e hora marcada. Eles, do contrário, vivem uma vida sem seguir os ponteiros do relógio, sem planos.

Gould era uma figura destas. “Vivo de ar, auto-estima, guimba de cigarro, café de caubói, sanduíche de ovo frito e catchup", ele dizia. Vivia da boa vontade dos outros, com roupas doadas que chegavam a ser grandes em seu corpinho magro e enrugado, e enganava a fome com catchup. “Eu nem gosto muito desse troço, mas tenho o costume de comer tudo o que me aparece. Esse é o único grude grátis que eu conheço”, Gould disse em um dos encontros com Joseph Mitchell em um bar, para a entrevista.

Ao mesmo tempo em que queria transparecer um homem durão, Joe Gould era solitário e carente. Sempre à procura de pessoas como Mitchell; para desabafar a dor da falta de seu pai; e o rancor da rejeição que levou por toda a sua vida. Gould escreveu em seus vários cadernos - do tipo escolar – diferentes versões da morte de seu pai.

Isso prova a sua grande exigência ao escrever uma história, tamanha exigência que Gould não chegou a escrever a tal “História Oral”, deixando esta tarefa para o seu grande confidente, Mitchell. Talvez Gould tenha escolhido a dedo o seu grande discípulo, e por isso fez questão de encher os ouvidos do jornalista por dez anos, pois no fundo Joe Gould sabia que ele daria vida a sua história como ninguém. Uma história tão profunda que fez Joseph Michell não conseguir mais publicar coisa alguma. Preferiu calar-se, pois sabia que esta história estaria presente na vida das pessoas para sempre, como está até hoje.

Michell marcou história por ser um jornalista único, criativo e curioso, optando por seguir a vida de um indivíduo nato que vivia nas entranhas da tão popular cidade de Nova York, valorizando-o como uma peça fundamental da sociedade, em vez de vivenciar e escrever sobre a burguesia, como faziam os jornalistas da época.

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